segunda-feira, 18 de setembro de 2017

AUTÁRQUICAS DE COIMBRA: UMA ANÁLISE POLÍTICA


O PS é o partido que tem governado a Câmara Municipal de Coimbra. Ou melhor, um membro do PS chamado Manuel Machado, uma vez que como nos três mandatos anteriores o Presidente tem feito um mandato unipessoal. Desta vez zangou-se com a sua número dois, Rosa Reis Marques. O PS de Manuel Machado obteve em 2013 um resultado relativamente escasso (35,5%), praticamente o mesmo que tinha obtido quatro anos antes, que se revela tanto mais escasso se olharmos para o número de votos: 22631, num eleitorado de 129060 cidadãos. Beneficiou da abstenção - as pessoas estavam cansadas e descrentes e do facto de os seus principais opositores se terem partido (PSD-PPM-MPT 29,7 % e CDS-PP 3,9%, os dois em conjunto 33,6%, que teriam sido decerto mais se tivesse havido uma coligação de centro-direita). Nos pequenos partidos, a CDU teve 11,1% e os Cidadãos por Coimbra, apoiados pelo Bloco de Esquerda, 9,3%. Como o PS não tinha a maioria dos vereadores serviu-se como "muleta" de um vereador da CDU. Os partidos da oposição e, por vezes, a própria CDU queixaram-se do autoritarismo de Machado. A Câmara de Manuel Machado foi, de facto, muito fraca, muito mais fraca até do que em mandatos anteriores. Pouco pôde apresentar de trabalho feito. Os problemas que se propôs resolver - basta ler o seu programa  de 2013 - ficaram por resolver. Um dos seus maiores fracassos foi o parque industrial i-Parque, que está falido. Outro foi o Centro de Congressos do Convento de S. Francisco, que não conseguiu atrair congressos relevantes, limitando-se, com uma gestão paroquial da própria Câmara, a alguns espectáculos sem grande poder de atracção. Os dois vultuosos equipamentos, resultantes de fundos europeus,  foram  caríssimos e estão desaproveitados. Outros grandes investimentos como o Parque Verde - do programa Polis - e o Convento de Santa Clara-a-Velha foram inundados pelas águas, sem que tenha havido nem prevenção nem reparação pronta. A Universidade conseguiu ser Património Mundial da UNESCO, mas a cidade não tem aproveitado essa circunstância: os turistas vêm só à Alta. A Baixa, incluindo a rua da Sofia, continuou a definhar. Um dos maiores escândalos da cidade - o Metro Mondego - deixou um buraco enorme de ruína e devastação na Baixa que não foi resolvido (para além de ter deixado um buraco no orçamento). Não houve o prometido metro nem se construiu a prometida Via Central. Outro escândalo da cidade foi a continuação da Estação Velha e da Rodoviária em condições lamentáveis. Não se fez novo Tribunal. A velhinha Penitenciária não saiu do sítio. O Hospital continuou sem estacionamento. Nada disto tem razão de ser porque o presidente devia conhecer os problemas, tinha experiência autárquica e era da mesma cor do governo, um governo que defende a descentralização. Machado diz que a Câmara teve 30 milhões de euros de lucro: isso significa que não teve a capacidade de investir para suprir algumas das graves carências da cidade, como por exemplo a reabilitação do centro histórico.

A situação da cidade é tão deficitária que o próprio PS tentou muito antes das eleições ver se existia alguma solução sem Machado, tendo testado alguns nomes alternativos. Ainda em Maio passado PS admitia que a Câmara de Coimbra era uma daquelas em risco de mudar de mãos.

Não tendo quase nada a oferecer Manuel Machado veio à última hora prometer um Aeroporto Internacional de Coimbra. A ideia não faz qualquer sentido. Não há um estudo, não há um plano, não há um orçamento. É uma ideia megalómana ao melhor estilo de Sócrates, só faltando saber s eo grupo Lena tem alguma coisa a ver com ela. Machado sabe que está a enganar - não há sequer dimensão no planalto de Antanhol para uma pista mínima -  mas tem uma razão para o fazer: quer lançar uma "cortina de fumo" para que, ocupando o espaço mediático, não se discuta os verdadeiros problemas: porque continua a cidade  a cair? porque não há investimento? porque não há empregos? Além da ideia risível do aeroporto a única estratégia que resta ao presidente-candidato é fazer-se de vítima. Após um debate na RTP3, respondeu às críticas dos seus opositores dizendo que eles tinham atacado os conimbricenses. Quer dizer, Machado, que representa uma parte pequena de Coimbra, toma-se por Coimbra toda. Só se pode queixar de si rio e queixa-se dos outros.

Nas próximas eleições autárquicas a liderança de Manuel Machado na Câmara de Coimbra está em risco. Muitos eleitores do PS não se sentem representados pelo continuado líder coimbrão, que não conseguiu nenhum protagonismo nacional e muito menos internacional. Ao PS não fará grande diferença que Machado perca (António Costa estava ao lado de Machado quando ele anunciou o aeroporto internacional de Coimbra e não o apoiou nessa pretensão, nem nessa altura nem depois) pois vai ganhar no todo nacional. Vai ganhar, por exemplo, em Lisboa, onde tem uma gestão moderna e eficaz, que conseguiu fazer da capital uma cidade global.

O normal seria agora, dado o histórico de alternância entre PS e PSD (por vezes coligado com o CDS), que a Câmara passasse para o segundo partido. O PSD e o CDS uniram-se (juntando outras forças sem grande significado, como o PPM) mas não conseguiram nem escolher um candidato convincente nem formar uma equipa renovada, preparada para os grandes desafios da cidade. Jaime Ramos o candidato do PSD-CDS, veio de Miranda do Corvo, onde reside, trabalha e vota. Tem um histórico de quatro mandatos, o último interrompido antes de uma decisão judicial desfavorável. Reconhecendo que tem um conjunto de interesses económico-sociais a defender em Miranda do Corvo, que está de resto a estender a Coimbra (onde adquiriu recentemente um colégio  para o explorar), já declarou que não fica na Câmara de Coimbra se não ganhar.  Entrou em campanha cedo mas cedo esgotou as suas "munições" com tiros para o ar. Cada dia anunciava uma coisa, mas percebeu-se logo que era tudo desgarrado, que não havia um plano coerente e, muito menos, havia pessoas minimamente capazes de realizar um plano desse tipo. A sua lista inclui as pessoas do costume, que nunca no governo da Cãmara ou fora dele tiveram soluções para a cidade. Contra Jaime Ramos joga o facto de um voto nele ser um voto em Passos Coelho. Ora muitos social-democratas, por exemplo Carlos Encarnação, querem discutir a liderança do PSD logo após as autárquicas. Se Passos Coelho vier a Coimbra, Ramos perderá uma boa parte dos votos com que conta. Além disso, a coligação com o CDS está absolutamente fora do prazo. Não se vai reeditar tão cedo no país, dada a má memória dos tempos de Passos Coelho -  Portas. Não veremos Passos Coelho de mãos dadas com Assunção Cristas no Penedo da Saudade. Percebe-se que, à semelhança do que se  passa no PS, o caso de Coimbra não interessa ao directório do PSD na sede da S. Caetano à Lapa. O PSD vai perder no país (vai ser curioso ver a votação de André Ventura em Loures, de cujo discurso Ramos não se distanciou), E com grande probabilidade, vai perder também em Coimbra. O CDS não tem expressão local nem em Coimbra nem, em geral, no país.

A CDU, honra lhe seja, não muda. Mas, poecisamente porque não muda há muitos anos vai decaindo de eleição em eleição, embora lentamente. Tem trabalho e competência em muitos concelhos do país, mas esse não é o caso em Coimbra. Não ajuda nada o facto de o seu actual candidato, Francisco Queiroz, ser o vereador que ajuda Manuel Machado.  A CDU pode fazer críticas ao governo de Machado mas é evidentemente  parte dele. A CDU vai tentar no país - e talvez consiga- não cair muito em luta com o PS, mas Coimbra não passa de uma minúscula parte desse esforço de resistência à erosão. A erosão em Coimbra vai continuar.

Embora contenha alguns independentes, os Cidadãos de Coimbra são a expressão em Coimbra do Bloco de Esquerda (BE), como mostra, entre outros, o facto de a sua mandatária ser Marisa Matias, deputada europeia do BE e de a lista incluir muitos filiados do BE.  É um grupo pequeno que não vai crescer, até porque houve uma cisão no seu interior que levou ao afastamento de alguns dos seus dirigentes. O seu líder, arranjado à última hora (vindo directamente da CDU, o  que explica algumas picardias recíprocas), Jorge Gouveia Monteiro, um político voluntarioso e conhecedor de alguns dossiers da autarquia mas que não tem nem carisma nem discurso para levar o seu grupo a um patamar de alguma ambição. Na melhor das hipóteses os Cidadãos de Coimbra / BE pode aspirar a eleger um vereador. O sonho, que chegou a ser declarado pelo responsável pelo movimento (que não coincide com o candidato), seria fazer uma "geringonça" em Coimbra com o PS e a CDU. Mas isso é não perceber a lógica da "geringonça nacional", que não tem nem terá expressão local (veja-se o caso de Lisboa). Além disso, seria um pouco patético para os Cidadãos criticarem, como fazem e bem, Machado e depois  servirem de suporte a ele, Em boa verdade, o BE, que não tem expressão autárquica no país (ganharam em Salvaterra de Magos, mas houve aí casos mal esclarecidos), quer apenas ser oposição em Coimbra. O poder não lhe interessa, quer apenas ser contrapoder.

Nestas eleições, dada a manifesta  incapacidade de tirar Coimbra do marasmo, surgiu uma lista inteiramente independente, Somos Coimbra, liderada por José Manuel Silva, ex-bastonário da Ordem dos Médicos, que pretende ganhar para operar uma mudança efectiva, que leve à  reafirmação do concelho de Coimbra no país. É uma novidade e uma alternativa para os muitos cidadãos desiludidos com alguns líderes partidários. Indicando que havia um espaço para novos actores, o Somos Coimbra foi a primeira candidatura a entregar as listas, a apresentar publicamente o seu programa de regeneração da cidade e a abrir a sua sede de campanha na Baixa da cidade. Faço parte dessa lista, na qualidade de suplente da candidatura à  Câmara Municipal, e partilho com muitos independentes e cidadãos com partido ou simpatizantes de um  partido a ideia de que existe agora uma oportunidade de relançar Coimbra. O momento surgiu com o claro objectivo de ganhar e vários indicadores confirmam essa hipótese. A probabilidade de vitória existe, embora seja difícil nesta altura de quantificar. Muito vai depender do crescendo da campanha. Uma coisa é neste momento já certa: o panorama da governação da autarquia de Coimbra vai-se modificar porque o Somos Coimbra irá buscar muitos votos à abstenção e aos votos brancos e nulos (a percentagem enorme da abstenção em Coimbra, 51%,  faz com que o resultado possa ser inesperado) assim como votos ao eleitorado de todos os partidos, desde o PS aos BE, passando pelo PSD, CDS e CDU. O Somos Coimbra diz que os problemas da cidade  não podem ser resolvidos pelos mesmos  partidos que até agora se revelaram incapazes de os resolver. É a hora de dar a oportunidade a novos protagonistas, de  unir esforços para resolver os problemas da cidade que estão - ou deviam estar - para além das divisões partidárias e dos interesses das clientelas associadas aos partidos. Como mostra o caso do Porto (onde Rui Moreira vai de novo ganhar), os partidos são necessários em democracia mas não esgotam de maneira nenhum a  participação democrática. A democracia contém sempre em si a possibilidade de uma solução.

2 comentários:

Anónimo disse...

" A democracia contém sempre em si a possibilidade de uma solução." E se nós ganharmos quem ganha é Coimbra.
Quem disse isto?
Todos.

Anónimo disse...

Todos? Que falta de originalidade!!
João Martins

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