segunda-feira, 26 de novembro de 2007

O cesto de papéis da sociedade

Numa época em que os discursos “politicamente correctos” respeitantes à educação, afirmam a diferença entre povos, culturas, sociedades, etnias ou grupos, salientando a especificidade de cada um e o direito que têm à mesma, a realidade parece caminhar no sentido oposto, ou seja, no sentido da uniformização.
A verdade é que a educação, pelo menos no que respeita aos seus problemas, é muito semelhante em todo o mundo ocidental.

Não sendo minha intenção relativizar os problemas que emergem no nosso sistema de ensino, aqui deixo um texto, datado de 1994, da autoria de Andy Hargreaves, investigador da área da Pedagogia que tem identificado e debatido de modo particularmente claro, rigoroso e contundente os grandes dilemas com que as escolas e os seus professores se confrontam na actualidade.

“As pessoas estão sempre a querer que os professores mudem. Raramente isto foi tão verdadeiro como o tem sido nos últimos tempos. Como todos os momentos de crise económica, os tempos actuais de competitividade global estão a originar um imenso pânico moral sobre a maneira como estamos a preparar as gerações do futuro nos nossos países. Em momentos como este, a educação, em geral, e as escolas, em particular, tornam-se naquilo a que A. H. Hasley chamou «o cesto de papéis da sociedade»; receptáculos de políticas nos quais são depositados, sem cerimónia, os problemas não resolvidos e insolúveis da sociedade. Pouca gente quer fazer algo relativamente à economia, mas todos — os políticos, os meios de comunicação de massas e o público em geral — querem fazer algo na educação.

Com tantos baluartes tradicionais da economia ocidental a parecerem cada vez mais precários, no contexto de um mercado global em expansão, os sistemas escolares e os seus professores estão a ser incumbidos de tarefas onerosas relativas à regeneração económica. Estão a ser pressionados no sentido de darem mais ênfase à matemática, à ciência e à tecnologia, de melhorarem o desempenho ao nível das competências básicas e de restaurarem os padrões tradicionais de exigência académica, para os colocarem a par ou acima dos níveis de exigência das economias adversárias.

Para além da regeneração económica, em muitos locais espera-se que os professores ajudem a reconstituir culturas e identidades nacionais (…) espera-se que as escolas satisfaçam estas exigências acrescidas em contextos de severa restrição económica. Os estados, submetidos a pressões no sentido da redução de despesas e do peso destas na assistência social a uma população cada vez mais envelhecida, estão a desembaraçar-se de grande do seu esforço financeiro na escolarização e esperam que as escolas e os seus professores, através da competição no mercado e de uma gestão local frugal, caminhem melhor pelos seus próprios pés.

Para muitas das escolas actuais e para muitos dos seus professores, a submissão ideológica e a auto-suficiência financeira tornaram-se, pois, as realidades gémeas da mudança. Em muitos locais do planeta, o feito destas realidades são claramente visíveis numa multiplicidade de reformas e de inovações com as quais os professores têm agora de se confrontar. São estas reformas e inovações com constituem a substância da mudança, as mudanças reais às quais os professores têm de se dedicar” (páginas 5-6).

Referência da obra citada:
Hargreaves, A. (1998). Os professores em tempo de mudança: O trabalho e a cultura dos professores na idade pós-moderna. Lisboa: Mc Graw-Hill.

Imagem retirada de:
https://www.netdocs.com.pt/NetDocs/publicSite/images/publicCaixotePapeis.jpg

3 comentários:

Fernando Dias disse...

Enquanto a educação e os seus dilemas, acerca dos melhores saberes para uma vida decente, estiverem subordinados ao poder político (que é fraco) e aos imperativos dos interesses económicos (que é obsceno), os professores terão sempre o seu caldinho entornado. Infelizmente é este o paradigma vigente, pelo menos “em todo o mundo ocidental”.

Manuel Rocha disse...

Coitados dos professores !!!

Subscrevo de pronto qualquer tese que defenda um menor peso da escola na educação. Discordo em absoluto da deriva que tem levado para dentro da escola não só a clássica função de ensino,como a forma de sentar à mesa, a necessidade de lavar os dentes ou o uso do penso higiénico. Os papás e as mãmãs andam todos tão atarefados com as suas vidas profissionais que, depois de resolverem procriar, institucionalizam o produto esperando que a coisa corra tão bem que pouco mais seja necessário que proceder à entrega e recolha diária. Parece-me evidente que algo se passa nesta matéria que reporta para o papel da familia na sociedade e que ( porque será ?? ) tende a ser substimado. Mas nem isso nem a pressão politica são factores que "obriguem" os professores a chegar sistemáticamente atrasados a qualquer acção de formação. Nada disso os obriga a palrar ininterruptamente ao telemóvel sobre o problema do carro da sogra, enquanto alguém tenta desesperadamente transmitir-lhes alguma coisa que possa contribuir para melhorar a sua prática diária. Não é o poder politico que obriga os professores a tratar por "vaca" a Ministra da Tutela, nem é esta que elabora e vota os Regulamentos Internos que fazem dos cargos de gestão uma função "democraticamente"perpétua.
Os poderes terão muitas culpas no cartório mas também têm as costas demasiado largas. A verdade é que como classe a dos professores não é grande coisa. E nesse aspecto não são melhores nem piores que todos nós, restantes cidadãos, que também não somos grande coisa. Basta que se veja o nivel de empenho e participação que colocamos nos processos de decisão ( desde as reuniões de juntas de freguesia, às reuniões de pais, ou a abstenção a qualquer acto eleitoral para o que quer que seja ) para se perceber que assim é ! Basicamente aprendemos a cartilha reinvidicativa de uma série interminavel de direitos inalienáveis. Mas, como acontece quase sempre nas escolas, o capitulo dos deveres deve ter ficado para o fim e não houve tempo para dar essa matéria !Há aqui questões de "paradigma individual" que não podem ser escamoteadas !

Fátima André disse...

Cara Helena
Só tenho pena que tantas novas solicitações ao professor desemboquem numa espécie de saco sem fundo... para onde olhamos e não conseguimos ver o fim... ou melhor, alguns resultados... positivos, claro.
Quando as mudanças são visivelmente boas vale a pena investir nelas, mas afinal qual é o papel da escola? Alguém sabe? Alguem sabe o que se espera da escola?... o pior é que não sabemos para onde caminhamos, não há metas definidas com clareza e isto faz coms que se exiga tudo da escola, dos professores... mas infelizmente, não se sabe muito bem para quê... nem é tanto a questão da utilididade... nem vou por aqui...
Ainda hoje me vi confrontada por duas vezes com o problema da relativização das aprendizagens... para quê... para que os "putos passem... afinal... eles até são uma ameaça para o professor... que se não os passar corre sérios riscos... inclusivé pode ficar com o carro todo riscado... entre muitas outra barbáries que me vi obrigada a ouvir hoje por inerência do cargo que coordenação pedagógica que desempenho. É grave um Coordenador de Departamento dizer num orgão pedagógico que "coitadinhos" dos meninos, temos que baixar o nível de exigência para eles terminarem a escolaridade obrigatória porque eles têm que passar todos... por isso toca a fechar os olhos...
Com a agravante de que os professores vão ser avaliados também pelo nível de sucesso dos seus alunos (é um indicador de muito peso na avaliação dos professores)...
Embora eu não me escandalize, estou muito preocupada, porque na verdade são poucos que o confessam, que falam a verdade... mas há muito que se baixam os níveis de exigência, ninguém tem dúvida... e como sabemos, quando no básico não se consolidam determinados conhecimentos e aprendizagens básicas, fundamentais(e por isso são básicas)... chegam ao secundário (10º ano) e os níveis de abandono escolar e o insucesso crescem assustadoramnete. Isto para não falar do Ensino Superior (realidade que a Helena bem conhece)que já está a receber os frutos deste desenfreada obsessão pelo sucesso escolar...
Temos que perceber que o sucesso educativo não se constrói basicamente com transições, passagens administrativas, diplomas, certificados...
Sinceramente, acho que estamos muito longe... há um longo caminho a percorrer...
Desculpe o desabafo... mas estes professores que falam e agem assim... são alguns daqueles que eu vou avaliar como Coordenadora de Departamento e isto preocupa-me seriamente! Mas preocupamente sobretudo pelo futuro dos nossos jovens que começa a estar em risco!

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